A carreira política de Demóstenes Torres no Senado chegou ao
fim às 13h24 desta quarta-feira (11), depois de 103 dias de agonia iniciados
pela representação do PSOL no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Numa
sessão histórica, o projeto de resolução (PRS) 22/12, determinando a cassação
do senador, foi aprovado com a anuência de 56 parlamentares. Outros 19 foram
contrários e se registraram cinco abstenções.
Com a perda do mandato, Demóstenes fica inelegível por oito
anos contados a partir do fim do mandato para o qual havia sido eleito. Ou
seja, só poderá concorrer a um cargo político em 2028, visto que seu mandato se
encerraria em fevereiro de 2019 e não há eleições previstas para outubro de
2027, seguindo-se o calendário atual.
No lugar dele, deve assumir o primeiro suplente, Wilder
Pedro de Morais, de 44 anos, filiado ao DEM, ex-partido de Demóstenes.
Acusado de envolvimento com Carlos Augusto Ramos, o
Carlinhos Cachoeira, atualmente preso na penitenciária da Papuda, em Brasília,
Demóstenes tornou-se o segundo senador cassado na história da Casa. O primeiro
foi Luiz Estevão (PMDB-DF), em junho de 2000, por ter mentido ao Senado sobre
seu envolvimento no desvio de verbas na construção do prédio do Tribunal
Regional do Trabalho de São Paulo (TRT).
Uma das acusações contra Demóstenes também é a de ter
faltado com a verdade a seus pares em discurso no dia 6 de março deste ano,
quando negou qualquer ligação com Cachoeira, além de uma antiga amizade, e de
nunca ter defendido interesses do negócio dos jogos ilegais. Cachoeira é
apontado em relatórios da Polícia Federal como chefe de um esquema de
corrupção, tráfico de influência, escutas ilegais e operação de máquinas
caça-níqueis.
O fim do mandato de Demóstenes Torres foi anunciado às 13h24
pelo presidente José Sarney (PMDB-AP), diante de um Plenário cheio, com 80
senadores, e de galerias lotadas de populares. Proclamado o resultado, o
parlamentar retirou-se rapidamente, e em silêncio, na companhia de seu
advogado, pelo elevador privativo, até a chapelaria, onde um carro os
aguardava.
Mentira
O primeiro a falar na sessão foi o senador Humberto Costa
(PT-PE), relator do processo no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Ele
destacou as 97 ligações interceptadas pela Polícia Federal num aparelho Nextel
entregue a Demóstenes por Cachoeira, e 40 encontros entre os dois, no período
de março a agosto de 2011.
Para Humberto, é muito difícil acreditar que Demóstenes não
sabia das atividades ocultas de Cachoeira:
– Um ex-secretário estadual de segurança pública, ex-chefe
do Ministério Público, ex-integrante do CPI dos Bingos, que indiciou Cachoeira
por seis crimes, entre eles corrupção, formação de quadrilha e lavagem de
dinheiro. Como não saber de suas atividades criminosas? Que amigo é esse que
não procura saber como o outro se houve numa CPI de conhecimento de todo o
Brasil? Perdoe-me, mas vossa excelência faltou com a verdade – afirmou.
Ainda na opinião de Humberto Costa, Demóstenes Torres
defendeu interesses de Cachoeira em vários órgãos e entidades, entre os quais
Anvisa, Ibama, Dnit, Infraero, Receita Federal, governo de Goiás e prefeituras.
E o mais grave: ajudou a proteger o contraventor, vazando informações sobre
operação policial, conforme gravação interceptada pela Polícia Federal.
Os presentes recebidos pelo parlamentar goiano também foram
destacados, assim como o pagamento da conta do Nextel.
– Não é aceitável sob nenhuma hipótese que um senador tenha
contas pessoais pagas por quem quer que seja, ainda mais por um criminoso. Não
é possível deixar que este contraventor pague US$ 27 mil por uma aparelhagem de
som importada ou US$ 25 mil por geladeira e fogão. São vantagens indevidas e
incompatíveis com o mandato – ponderou.
O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), líder do partido
responsável pela representação contra Demóstenes, chamou atenção para o fato de
que a República é o regime da coisa pública e do bem comum, portanto, ser
republicano exige ética.
– Conduta moral e decoro não são favores à sociedade. São o
dever-ser do parlamentar, o comportamento exigido de quem se dispõe à função
pública – discursou.
Dignidade
Ao avaliar aspectos legais do processo, sem entrar no mérito
da questão, o senador Pedro Taques (PDT-MT), relator da matéria na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), disse que ficou comprovado que “Demóstenes adotou
conduta incompatível com o decoro, ferindo de morte a dignidade do cargo e a
ética que se impõe a parlamentares”.
– Os fundamentos bem alinhavados demonstram a correta
punição de perda de mandato. Também foram respeitados os princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório. O representado foi
devidamente assistido por advogado e teve acesso a todas as provas e foi
avisado de todos os atos processuais, portanto a decisão do Conselho de Ética
foi corretamente fundamentada, e ficou claro o cumprimento da Constituição, do
Regimento Interno e do Código de Ética desta casa – opinou.
Defesa
Demóstenes Torres teve 30 minutos para se defender. Em seu
discurso, ele disse ter sido prejulgado pela imprensa, que o perseguiu como um
“cão sarmento” e agora lhe deve um pedido de desculpa.
Apelando para a emoção, disse ser terrível ser julgado pelo
clamor público e comparou a sua situação à de Jesus, diante de populares
querendo a crucificação.
– Deixem-me ser julgado pelo Judiciário. Deixem-me ser
julgado pelo povo de meu estado. Dêem-me o direito que foi dado a tantos outros
de fazer a minha defesa. Quero o mesmo tratamento que foi dado a Humberto
Costa. Por que a minha cabeça tem que rolar?
– apelou, referindo-se ao processo respondido por Costa quando era
ministro da Saúde por superfaturamento na compra de remédios. Costa foi
absolvido em 2010 pelo Judiciário por falta de provas.
Em relação ao Nextel, Demóstenes alertou para a existência
de 250 mil horas de gravações, que, em nenhum momento registram a voz dele
“pedindo dinheiro”.
– Mais de três anos de grampo. O que existe contra mim?
Nada, nada, nada!.
Demóstenes disse também que jamais mentiu e desafiou os
colegas a apontar uma única vez em que ele bateu no gabinete de alguém para
pedir favores a Cachoeira ou a qualquer integrante do grupo criminoso.
O senador encerrou a defesa dizendo ser um bode expiatório
que vai ser pego para não ficar mal para a imagem do Senado.
– Um senador com patrimônio ridículo: um imóvel financiado,
carro do ano de 2010 e 20% de uma faculdade no interior de Minas que nunca me
rendeu um centavo sequer. O que pega mal é punir um inocente. Não existe
nenhuma prova contra mim – afirmou. Chorando, disse ainda que não renunciou
porque deveria dar explicações à família.
– Quem cassa senador é senador e não a imprensa. Não acabem
com a minha vida! – finalizou.
Discussão
Na fase de discussão da matéria, cinco parlamentares foram à
tribuna. Nos discursos, de dez minutos
em média cada, não faltaram críticas à postura de Demóstenes e ficou
evidenciada a preocupação com a imagem da casa e a necessidade de se dar uma
resposta à sociedade. Os oradores também
defenderam o fim do voto secreto para a cassação de mandatos e de outras
matérias.
Fonte: Agência Senado