23 de mar. de 2012

Quantificação da indenização por danos morais

Fernanda Tartuce*                                                                      

Sumário: 1. Contextualização do tema. 2. Evolução do instituto. 3. Dos critérios previstos em leis especiais e do afastamento da indenização “tarifada”. 4. Das diretrizes a serem observadas pelo julgador. 5. Do critério da composição do dano. 6. Do caráter de desestímulo. 7.  Responsabilidade civil como sanção. 8. Conclusão. 8. Referências bibliográficas.

1. Contextualização do tema.
A tutela dos direitos de personalidade, a partir de sua contemplação expressa na Constituição Federal de 1988, passou a ser objeto de grandes debates entre os operadores do direito.
O Código Civil de 2002, adaptado ao comando constitucional de priorização à dignidade humana, faz expressa menção à perpetração de ato ilícito quando se cause dano, “ainda que exclusivamente moral”.
Atualmente, grande parte das pretensões indenizatórias em nossas Cortes requer montantes significativos a título de tal reparação.
Não obstante tal realidade, atualmente não há qualquer diretriz segura sobre o destino de uma pretensão ao ressarcimento por danos morais em termos de valoração pecuniária, não havendo lei específica sobre o tema[1]. Em nosso sistema, deixou-se ao prudente arbítrio do juiz a (árdua) tarefa de determinar o valor apto a reparar a lesão sofrida no patrimônio ideal do indivíduo.


* artigo elaborado e publicado em 2006 na revista arte juridica (Universidade de Londrina), v. 3, p. 329-342, 2006)



[1] Em termos legislativos, há duas tentativas concretas, consubstanciadas em projetos de lei, com critérios específicos para a fixação da indenização referida. A primeira pertine ao polêmico projeto de lei 150/1999, que traria valores fixos para indenizações, com balizas de valores entre R$ 20 mil e R$ 180 mil, conforme a intensidade da gravidade do dano, além de certos critérios para análise do juiz, como a situação social, política e econômica das pessoas envolvidas e o grau de culpa, dentre outros. Segundo informação constante no site do Senado Federal, tal projeto já foi aprovado por aquela Casa e consta como tendo sido encaminhado à Câmara dos Deputados em 2002. Encontra-se ainda em trâmite o Projeto de Lei 6.960/2002, com alterações pontuais em diversos dispositivos do novo Código Civil. Em relação ao artigo 944, que fala da extensão do dano como critério para a indenização, pretende-se acrescentar dispositivo no seguinte sentido: “a reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.


Diante de tal realidade, cabe o questionamento: de que critério se deve valer o magistrado para fixar o valor da indenização? Deve ele se pautar precipuamente pelo dano, visando a compor a vítima, ou deve considerar a condição do agente e sua culpa, visando a desestimulá-lo de condutas danosas e fixar indenização consentânea com suas possibilidades? É sobre tais parâmetros que este trabalho se voltará, especialmente tendo em vista o panorama do atual Código Civil, que trouxe dispositivo inédito sobre a consideração do grau de culpa e da fixação do valor da indenização.
                  
2. Da evolução do instituto 
“Quem furta um asno deve pagar uma indenização; quem rouba a honra, o sossego, a liberdade, nada deve sofrer?[1]”.
Felizmente, desde há muito a resposta a tal inquietação vem sendo negativa. Mesmo antes da Constituição de 1988, em que direitos de personalidade como honra, a intimidade e a integridade passaram a ser expressamente referidos, já havia decisões atribuindo indenizações pela lesão a direitos de personalidade[2].
A questão sobre a quantificação da indenização, porém, ainda não encontra resposta segura.
Num primeiro momento, poder-se-ia pensar que cada um conhece o valor de seus sentimentos e atributos, podendo indicar o valor apto a atenuar o sofrimento. Assim, em cada demanda, o autor aduziria sua pretensão trazendo elementos ao julgador para que este aferisse a melhor solução.
Todavia, é praxe que, na petição inicial, o autor use uma formula genérica, formulando pedido no qual remete a fixação da indenização ao prudente arbítrio do juiz. Assim, volta o magistrado ao dilema inicial: como fixar um valor? 
Exsurge de forma cristalina a complexidade da apuração do valor devido, seja em virtude da natureza intangível do bem da vida, seja pela falta de parâmetros legislativos genéricos[3] para aquilatar a verba apta à reparação em tela. Eis porque a jurisprudência tem se socorrido de critérios vários para se chegar a uma solução adequada à questio iuris apresentada.








[1] Citado por Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal vol. 2. SP, Ed. Saraiva, 1997, p. 17.
[2] Em sua obra clássica “O dano moral e sua reparação” (cuja 1a edição data de 1955), o professor Wilson Melo da Silva relata a existência de posições favoráveis à reparabilidade dos danos morais em doutrina em jurisprudência desde os idos de 1910. Dentre estas, destacamos o seguinte julgado do STF, datado de 13/12/1913: “Estão acordes todos os autores em reconhecer e confessar a dificuldade, a impossibilidade, se quiserem, de dar uma expressão econômica a valores morais como esse que perdeu a autora. Mas ao mesmo tempo, na doutrina dos melhores escritores e da jurisprudência dos tribunais, mais adiantados, afirma-se que é preciso reconhecer o direito sobre esses bens morais e a necessidade de obrigar os que violam tais direitos a um ressarcimento que é antes destinado ao fim de reconhecer e consagrar o direito de uma justa indenização” (in RT 8/181) (Silva, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 536).
[3] Afirma-se a falta de critérios genéricos para reparações morais das mais variadas espécies, sendo certo que algumas leis referem-se a situações especificas, como as relativas a danos perpetrados pela mídia.


Uma investigação atenta sobre os parâmetros utilizados pelo julgador nos mostra que, muitas vezes, as circunstâncias fáticas é que dão o arcabouço condutor do pensamento do magistrado.
Para os juízes que busquem decidir com base em ensinamentos doutrinários e orientações jurisprudenciais, alguns posicionamentos podem ser de grande valor para que se alcance o valor devido. Na falta de uma opção legislativa expressa sobre os parâmetros utilizados para que se atinja o quantum debeatur, são sugeridos critérios como a composição e o desestímulo (quanto a este último, algumas vezes, fala-se em caráter punitivo).
A índole compositiva visa ao dimensionamento da indenização com vistas a trazer à vítima uma compensação pelo sofrimento experimentado, buscando atribuir-lhe um valor condizente com a lesão imposta.
Já a vertente do caráter de desestímulo fixa o montante pecuniário a partir da análise preponderante da condição do causador do dano, para que a responsabilidade civil atinja seu escopo de inibir condutas violadoras de direitos alheios.
3. Dos critérios previstos em leis especiais e do afastamento da indenização “tarifada”
É certo que carece nossa legislação de critérios genéricos para a fixação de indenizações por dano moral.
Assim, no início de seu contato com a matéria, nossos magistrados acabaram se socorrendo dos critérios e valores presentes em legislações específicas, como as referentes à imprensa[1] e ao Código Brasileiro de Aeronáutica[2], mesmo que as lides reveladas em juízo não tivessem qualquer similitude com as situações descritas nas respectivas leis.
Eis porque, por certo tempo, os magistrados fixaram as indenizações com base em número determinado de salários mínimos: porque a Lei de Imprensa e o Código Brasileiro de Telecomunicações utilizaram tal referencial para a fixação dos valores.
A esse respeito, cumpre salientar que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça[3] entendeu não se revelar possível a fixação de indenização em salários mínimos, diante de recente precedente do Egrégio Supremo Tribunal Federal nesse sentido[4].







[1] Nossa Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), em seu artigo 53, inciso II, aduz expressamente que deve o juiz levar em conta, ao arbitrar a indenização por dano moral, dentre outros fatores, a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável.
[2] Segundo a Lei 7565/86, em seu artigo 246, “a responsabilidade do transportador (arts. 123, 124 e 222, parágrafo único), por danos ocorridos durante a execução do contrato de transporte (arts. 233, 234, § 1º, 245), está sujeita aos limites estabelecidos neste Título (art. 257, 260, 262, 269 e 277)”. Tais valores são fixos e levam em conta certo número de OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional).
[3] Por todos, confira-se julgado nesse sentido, cuja ementa segue: “Ação de indenização. Embargos de declaração. Redução do valor da indenização por dano moral. Fixação da indenização em salário mínimo: Lei nº 6.205/75. Súmula nº 07 da Corte. (...) 7. A fixação da indenização por meio de salários mínimos, diante de recente precedente do Supremo Tribunal Federal, não é mais possível” (3a Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, RESP 252760 / RS ; Recurso Especial 2000/0027915-3, j. 26/09/2000, DJ :20/11/2000 PG:00291).
[4] STF - RE 235643-PA.

Ademais, a Constituição de 1988 revelou a preocupação com uma tutela ampla dos direitos de personalidade, sem limites de valores. Assim, nossos Tribunais passaram a afastar-se da tarifação[1] presente nas referidas leis, em nome da proteção mais completa possível aos direitos de personalidade. Tal entendimento foi consolidado com a edição, pelo STJ, da Súmula 281, segundo a qual “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.
Não tendo a Constituição limitado a indenização, mas sim revelado a importância de sua contemplação, a idéia passou a ser de que as disposições limitantes da tutela dos direitos de personalidade não foram recepcionadas pela nova ordem constitucional. Assim, aos poucos os critérios das leis foram sendo afastados e os juízes passaram a agir com mais liberdade.
E tanto melhor que seja assim, ao menos no estágio em que nos encontramos. Em cada caso concreto deve-se analisar a situação e só então partir para a quantificação da indenização mais completa[2].
Como bem apontou o professor Carlos Alberto Bittar,
“...a jurisprudência vem suprindo a ausência de critérios legais, que, ademais, são raros, porque insuscetíveis de abarcar as diferentes situações danosas possíveis, em razão da multiplicidade de fatores que interferem na matéria[3]”.
Este, sem dúvida, revela-se o entendimento mais consentâneo com a tutela dos direitos de personalidade, sendo inclusive contemplado por diversos arestos do E. Superior Tribunal de Justiça.

4. Das diretrizes a serem observadas pelo julgador
A doutrina procura auxiliar o magistrado em sua difícil tarefa, invocando princípios essenciais como os da razoabilidade, da proporcionalidade e da moderação:

“Na reparação do dano moral o magistrado deverá apelar para o que lhe parecer eqüitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões







[1] Em termos de indenização por danos morais e inaplicabilidade da chamada responsabilidade tarifada, confira-se os seguintes julgados do STJ: RESP 419705-SP,  RESP 208795-MG, EDRESP 330012-SP, RESP 416846-SP e AGRESP 468909-SP.
[2] Nesse ponto, merece crítica a tentativa legislativa constante do projeto de Lei 150/1999, “tabelando” a indenização entre 20 e 180 mil reais. Assim como a inconstitucionalidade foi aduzida quanto às legislações já existentes, é certo que a nova lei também já pode advir com tal pecha, por limitar algo que nossa Lei Maior pretendeu conferir em termos amplos.
[3] Reparação civil por danos morais. São Paulo, Editora RT, 1994, p. 222.

das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido com base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento, nem mesmo ser irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel-prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação[1]”.
Também o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem recomendando a razoabilidade como 
condutora da decisão do juiz. O colendo Tribunal vem, em muitos casos, negando-se a alterar
 o valor da indenização, por entender que “fixado o valor da indenização dentro de padrões de 
razoabilidade, faz-se desnecessária a intervenção deste Superior Tribunal, devendo prevalecer 
os critérios adotados nas instâncias de origem”[2].
Todavia, tais recomendações parecem ainda muito vagas e inaptas a fornecer ao julgador parâmetros suficientes para conduzi-lo em sua convicção. Assim, são sugeridos por doutrina e jurisprudência alguns aspectos a serem observados pelo julgador, tanto em relação ao ofendido quanto no tocante ao ofensor: 
“É da competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo) ou objetivos (situação econômica do ofendido e do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa), influências de acontecimentos exteriores ao fato prejudicial, lucro obtido pela vítima com a reparação do dano, hipótese em que se operará a dedução do montante do dano, do valor do benefício auferido, desde que vinculado ao fato gerador da obrigação de indenizar, não tendo resultado de circunstâncias fortuitas. Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável[3]” (grifos nossos).









[1] Diniz, Maria Helena. “A indenização por dano moral – a problemática do quantum”. Artigo publicado no site http://campus.fortunecity.com/clemson/jus/m03-005.htm.
[2] Tal afirmação se encontra em vários julgados da Terceira Turma daquela Corte, dentre os quais ressaltamos os seguintes, da relatoria do Min Castro Filho, da 3a Câmara do STJ: AGA 470538 / SC ; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2002/0110893-0, j. em 06/11/2003, DJ : 24/11/2003, p.:00301; AGA 464163 / SP -  Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2002/0090205-2,  j. 06/06/2003, DJ :30/06/2003 p. 0242; AGA 463946/ DF - Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2002/0085628-2, j. em 17/06/2003, DJ:18/08/2003, p.:00204.
[3] Diniz, “A indenização...”, ob. cit.
Analisemos, assim, com mais cuidado, alguns dos critérios disponíveis ao julgador, segundo orientações de nossa doutrina e de nossa jurisprudência.

5. Do critério da composição do dano
                          Segundo o critério compositivo, há de ser a indenização fixada nos estritos termos do previsto pela teoria da responsabilidade civil, por cujos meandros se busca a restauração do patrimônio e/ou a compensação por danos de ordem moral sofridos pela vítima a seus direitos de personalidade ou a outros direitos[1].
                           Assim, quando da fixação da indenização por dano moral, apenas a vítima deve ser objeto de análise pelo juiz, bem como suas características pessoais e o sofrimento que lhe acarretou o ato danoso. O montante fixado deve ser apto a lhe mitigar os efeitos decorrentes da lesão a um direito de índole personalíssima.
                          Tal postura atende aos reclamos do direito material. Nosso atual Código Civil, ao tratar da indenização, é claro ao dizer qual deve ser o critério para sua fixação: segundo o artigo 944, “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
                           Percebe-se, assim, que a intenção do agente e o grau de culpa que pautam sua conduta não interferem, em princípio, na fixação do montante a ser pago.
Modernamente passou-se a entender que a culpa (em sentido amplo) compreende o dolo, violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, consubstanciada na imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever[2].
A relação entre o grau de culpa do ofensor e a indenização a ser ele atribuída a título de reparação é alvo de controvérsias.
Segundo parte da doutrina tradicional, em face do Código Civil de 1916, não havia qualquer relação entre esses dois elementos, seja porque o legislador foi omisso quanto a esta eventual relação, seja porque a índole do instituto da responsabilidade civil não comporta considerações desta natureza, por estar centrado no dano e não no agente.
Agostinho Alvim tratou do tema nos seguintes termos:
                       “É certo que a maior ou menor gravidade da falta não influi sobre a indenização, a qual só se medirá pela extensão do dano causado. A lei não olha para o causador do prejuízo a fim de medir-lhe o grau de culpa e, sim, para o dano, a fim de









[1] Bittar, Carlos Alberto. Danos patrimoniais por violações a direitos de personalidade; artigo publicado na Revista do Advogado da AASP, n° 32, de dezembro/92, p. 17.


[2] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1. SP, Editora Saraiva, 2003, p. 291.


avaliar-lhe a extensão. (...) Em nenhum lugar do Código está dito que o dolo exerce influência sobre o montante de indenização[1]”.


Também Humberto Theodoro Jr. assim entende:

“A maior ou menor repercussão social, a maior ou menor intensidade do dolo ou da culpa, são dados completamente irrelevantes no plano da responsabilidade civil. O valor da indenização a ser proporcionada à vítima deve ser absolutamente desvinculado da gravidade do ato cometido, porque sua função não é punir, mas apenas ressarcir[2]”.

                      Ocorre, todavia, que o atual Código Civil tem tratamento legislativo diverso em termos de indenização, no que tange à relação entre culpa e valor indenizatório.
                       É certo que o artigo 944, caput, proclama que a indenização é medida pela extensão do dano. Todavia, seu parágrafo único afirma: “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”. Assim, a consideração da culpa pode gerar a redução do valor a ser fixado.
                      Em virtude da inserção de tal dispositivo em nosso ordenamento, há quem conclua que a culpa passa a ser elemento importante na fixação da indenização, dando suporte ao caráter de desestímulo a ser considerado, conforme se demonstrará no tópico seguinte.
                       Remanesce, porém, ainda, o argumento de que a índole da responsabilidade civil é, como regra geral, centrada no dano, e não no agente – o que, inclusive, a diferencia da responsabilidade penal.


6. Do caráter de desestímulo
                      Segundo a teoria do desestímulo, as condutas danosas seriam mais eficazmente coibidas através de uma repressão pecuniária robustecida. A indenização deve ser fixada em valor tal que, além de compor a vítima em seus danos, agrava a situação do agente a ponto de desestimulá-lo a reincidir em comportamentos danosos.
                      O Professor Carlos Alberto Bittar assim se manifestou sobre o tema:








[1] Alvim, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. SP, Ed. Saraiva, 1980, p. 199.


[2] Ob. cit., p. 59.
“Deve-se, em qualquer hipótese, ter presentes os princípios básicos da satisfação integral dos interesses lesados e da estipulação de valor que iniba novas investidas, como balizas maiores na determinação da reparação devida[1]”. 
                      O aludido autor alertou que tal consideração revela tendência presente inclusive em outros ordenamentos, especialmente no dos Estados Unidos, em que há uma verba indenizatória específica com caráter exemplar ao causador do dano, denominada punitive damages.
                       Talvez por isso, por certo tempo, entre nós se mencionou o caráter “punitivo” da indenização por danos morais. A atribuição de um valor elevado, de acordo com as condições econômicas do agente, constituiria uma sanção por seu comportamento violador.
                       Há quem chegue a afirmar que, em face da intangibilidade do dano moral, imensurável por natureza, a punição é o único objetivo visado pela sua reparabilidade. Para confirmar a existência de tal entendimento, transcrevemos excerto de sentença proferida nos autos de ação indenizatória versando sobre danos decorrentes de acidente de veículo:
“Se o dano moral ocorreu, não há como repará-lo ou compensá-lo, no sentido estrito dessas duas palavras. Tendo em vista, contudo, que a Constituição Federal consagra a indenização do dano moral, chega-se a uma conclusão pouco apontada pela doutrina: o fato de que o pagamento da indenização não é uma reparação do dano, por definição irreparável, mas uma punição ao seu autor. Como o que se objetiva é a punição do causador do dano, há que se levar dois elementos em consideração para fixar o quantum da indenização: a dimensão do dano e a capacidade econômica de quem o causou[2]”.
                      Todavia, a idéia de pena sem prévia cominação legal não se coaduna com nosso sistema. Na esfera civil, o princípio que rege a responsabilidade civil é o da reparação integral, de índole eminentemente compensatória. Devemos nos lembrar que, quando há um direito de personalidade cuja lesão faça merecer uma pena, o ordenamento se ocupa de prever a tutela penal, como ocorre nos crimes contra a honra; a despeito da correspondente indenização a que faz jus, o titular da honra violada pode buscar a punição do ofensor na esfera penal.
                      Poderia o julgador ir além da lei, atribuindo uma pena que o sistema não previu? Parece-nos que não.








[1] Ob. cit., p. 225.


[2] Sentença proferida nos autos da ação indenizatória de rito ordinário processada sob o n° 1.203/97, perante a 5a Vara Cível do Foro Central da Capital de São Paulo, em 24.03.1999.

                       Nesse sentido cumpre destacar excerto de recente julgado do STJ, acerca do rumoroso caso paulista da Escola de Base, em que houve divulgação temerária da prática de abuso sexual contra seus alunos:
“Não há, desde que guardada a proporcionalidade e razoabilidade da indenização, possibilidade de enriquecimento ilícito da vítima em detrimento do autor do dano, quer pela própria dificuldade de mensuração do prejuízo quer pela evidente necessidade de impedir que a indenização arbitrada seja tão leve que incentive o réu a continuar causando danos morais contra outras vítimas, ou que a sociedade comece a ver com naturalidade tais comportamentos e passe a agir da mesma forma[1](grifos nossos).

                            Assim, ao invés de se considerar o caráter penalizante (“punitivo”), há quem invoque a teoria do desestímulo. As condições do agente e o grau de culpa em que incorreu devem ser considerados para que o mecanismo da responsabilidade civil seja apto não só a compensar a vítima, mas também a inibir novas condutas danosas, não propriamente “punindo” o ofensor, mas com um caráter pedagógico.
                           Acerca de relevância do grau de culpa para a fixação da indenização, o Código Civil de 2002 trouxe significativa alteração. Assim destaca a Professora Regina Beatriz Tavares da Silva:
“O parágrafo único do artigo 944, ao adotar a teoria da gradação da culpa, de modo a influenciar o quantum indenizatório, possibilita sua diminuição, diante da desproporção entre a gravidade da culpa e o dano e, deste modo, confere apoio legal à teoria do desestímulo...[2]”.
                          Assim, conclui que “o caráter sociológico da responsabilidade civil demonstra a relevância do caráter de desestimulo da indenização por dano moral[3]”.
                            Efetivamente, parcelas significativas da doutrina e da jurisprudência aduzem claramente a função de desestímulo da responsabilidade civil por dano moral[4].








[1] STJ - 2a Turma, Min. Eliana Calmon, Resp 351779 / SP; Recurso Especial 2001/0112777-9, j. 19/11/2002, DJ 09.02.2004 p. 151, LEXSTJ vol. 176 p. 99, RDR vol. 30 p. 337. Caso não se recorde o leitor, ao final o valor fixado a titulo de indenização por dano moral aos antigos donos da instituição de ensino foi de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) para cada um.
[2] “Critérios para a fixação da indenização do dano moral”, in Questões Controvertidas no Novo Código Civil. Coord: Delgado, Mario e Alves, Jones. São Paulo, Editora Método, 2003, p. 266.
[3] Ob. cit., p. 263.
[4] Dentre vários outros, no mesmo sentido, Menezes Direito e Cavalieri Filho, após citar Clayton Reis, aduzem a importância de “impor uma reparação que alcance a satisfação do lesado e a punição do causador do dano na justa medida”. (Comentários ao Novo Código Civil, vol. XIII, coord. por Sálvio Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004, p. 352).
                            Para muitos, quando definido em pecúnia, o valor da indenização deve ser tal que desestimule novas práticas lesivas, a fim de que se criem óbices jurídicos às condutas rejeitadas pelo Direito; assim, seria possível conferir mais segurança e tranqüilidade para um desenvolvimento normal e equilibrado das atividades humanas no meio social[1].
                              A consideração do grau de culpa do agente e de sua capacidade econômica por certo são temas considerados quando da fixação de indenização para desestimular o agente.
                              O inciso II do artigo 53 da Lei de Imprensa refere-se expressamente à consideração por parte do juiz, quando do arbitramento da indenização por dano moral, da situação econômica do causador do dano. Segundo tal critério, há de ser aferida a condição econômica do agente para se determinar o valor apto a indenizar o dano moral.
                               Em termos de justiça social, o seguinte raciocínio merece ser considerado com especial atenção:
“Todos os membros da sociedade – indivíduos ou instituições, governantes ou governados – têm o dever de cooperar para o bem comum. E essa obrigação é regida por um princípio de igualdade fundamentalmente proporcional.(...) No tocante à justiça social, a obrigação de concorrer para o bem comum não é absolutamente igual no caso de um simples empregado, de um chefe de empresa, de um legislador ou de um governante. Todos têm o dever de contribuir para o bem comum. Mas esse dever é proporcional à respectiva função e responsabilidade na vida social[2]”.

                                  Há julgados que chegam a expressamente conceber a relação entre as capacidades econômica de vítima e ofensor: 
“Sopesados os elementos fáticos dos autos, como a capacidade econômica do agravante, 
o valor da dívida, o período em que o nome da agravada permaneceu indevidamente inscrito no Serasa e os danos advindos com a conduta indevida, não se pode considerar como abusivo o valor da indenização  fixado em R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais)[3]”.









[1] Carlos Alberto Bittar, Revista da AASP n° 38 (ob. cit.), p. 16.


[2] Montoro, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. SP, Editora RT, 1997, p. 225.

[3] STJ - 3a Turma, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, AGA 477298 / MS ; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2002/0129011-6, j. em 22/05/2003, DJ:30/06/2003, pg:00244.


                       Deve-se ponderar que a consideração da condição do agente é alvo de muitas críticas por parte dos adeptos de uma visão exclusivamente compensatória da reparação do dano moral. Isto porque se pondera que se deve focar, quando da fixação da indenização, a situação da vítima, e não o causador do dano.
                     Em julgado sobre a pretensão ao recebimento de indenização por danos morais em virtude da ausência de repasse, pelo banco aos cofres públicos, de imposto pago tempestivamente pelo contribuinte, assim se manifestou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal sobre o critério em tela:
“A fixação da indenização a título de danos morais fica ao arbítrio do magistrado, que deve levar em conta a gravidade dos danos sofridos pela vítima. A capacidade financeira do causador do dano, por si só, não autoriza a fixação de quantum que propicie o enriquecimento sem causa da vítima[1]”.
Segundo tal posicionamento, não se deve olhar o potencial do ofensor. Em termos de lógica jurídica, seria errado ocorrer que alguém, sofrendo ofensas semelhantes por agentes diferentes, fosse contemplado com verbas indenizatórias destoantes. Assim pondera Tourinho Filho sobre o tema, através da análise de um exemplo prático:
“Há pouco tempo, um magistrado, no caso de homicídio culposo de uma jovem, estabeleceu a reparação em R$ 1.000.000,00. De que critérios se valeu o nobre Magistrado? Obviamente na posição econômico-financeira do autor do fato, o que parece absurdo[2]”.


7.  Responsabilidade civil como sanção.

                     Uma derradeira pergunta pode se revelar interessante: pode a responsabilidade civil, em si, ser considerada uma espécie de sanção?
                   A sanção pode ser concebida como uma espécie de proteção especial de que lança mão o Estado para tutelar o direito subjetivo e a relação jurídica Pode ser definida como a conseqüência jurídica que atinge o sujeito passivo pelo não cumprimento de sua prestação ou, na formulação de Garcia Maynez: sanção é a conseqüência jurídica que o não cumprimento de um









[1] TJDF -  2a Turma, Ap. n° 47.303/98, Rel. Des. Hermenegildo Gonçalves; j. 13.04.1998, v.u., ementa – BAASP n° 2.076.


[2] Tourinho Filho, ob. cit., p. 20.


dever produz em relação ao obrigado. Sendo a sanção uma conseqüência, pressupõe um dever que não foi cumprido[1].
Carnelutti nos ensina que as sanções compreendem os meios físicos preventivos de imposição dos preceitos, entendidos estes como fórmulas de aplicação das regras éticas que normatizam determinada situação[2].
Também segundo Mario Allara a sanção possui uma eficácia preventiva, enquanto engendra freqüentemente o motivo que leva o sujeito a conduzir-se de acordo com a norma primária[3].
Com a clareza que lhe é peculiar, Moacyr Amaral Santos explica que sanções são medidas estabelecidas pelo direito, como conseqüência da desobediência a um imperativo legal[4]. Segundo a natureza da norma infringida, teremos sanções civis, penais, processuais, administrativas.
Em face da infração a um dispositivo legal penal, teremos a ocorrência de um crime, exsurgindo a sanção penal – pena -, enquanto a inobservância de norma prescritiva cível poderá engendrar a respectiva sanção civil.
Partindo da ocorrência do ato ilícito em sua acepção de fato contrário ao direito, Orlando Gomes assim trabalha com a distinção entre delito civil e delito penal:

                                      “O delito penal consiste na violação de preceito instituído em defesa da sociedade, reprimida como uma pena. O delito civil – ato ilícito – na infração de norma de tutela de interesse privado. A sanção imposta ao transgressor visa a restituir a integridade do direito lesado, consistindo no dever de reparar o dano causado. No fundo, a distinção resume-se a uma questão de avaliação. O mesmo fato contrário ao direito pode ser apreciado por dois critérios, próprios da legislação civil e da legislação penal, constituindo simultaneamente crime e ato ilícito. Não há, porém, maior dificuldade em qualificá-lo, incluindo-o numa só, ou nas duas esferas, porque os atos penalmente puníveis estão taxativamente expressos na lei penal. Fora dessa previsão não há crime, pois o Direito Penal assenta no princípio nullum crimen sine lege. Na qualificação do ato ilícito, basta que um interesse privado seja atingido em conseqüência da conduta culposa de alguém. Se do fato material da violação de um dever jurídico resulta dano, o delito está caracterizado. Saleilles esclareceu excelentemente a distinção neste ponto, mostrando que os elementos materiais do delito civil não precisam ser fixados









[1] Montoro, ob. cit., p. 467


[2] Carnelutti, Francesco. Teoria Geral do Direito. SP, Livraria Acadêmica Saraiva & Cia, 1942, p. 98-99.


[3] Cit. por Montoro, ob. cit., p. 469.


[4] Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo, Editora Saraiva, 1998, p. 7


legislativamente, pois resultam de toda violação de um interesse privado tutelado pelo Direito[1].”
Nossa melhor doutrina pondera que o instituto da responsabilidade civil constitui resposta do ordenamento jurídico à violação do princípio geral de que ninguém deve prejudicar os outros, alterum non laedere[2].
Sendo a sanção a conseqüência da inobservância a um imperativo legal, coaduna-se perfeitamente o instituto da responsabilidade civil com a acepção de sanção de natureza civil.
Ao tratar das funções da responsabilidade civil na atualidade, a professora Maria Helena Diniz[3], com muita propriedade, destaca:

“ ... O princípio que domina a responsabilidade civil na era contemporânea é o da restitutio in integrum (...) Infere-se daí que a responsabilidade aparece como uma sanção. A sanção é, nas palavras de Goffredo Telles Jr., uma medida legal que poderá vir a ser imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica, a fim de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica. A sanção é a conseqüência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado. A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito. (...) Vem a ser uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. É, desse modo, a conseqüência que o agente, em virtude da violação de dever, sofre pela prática de seus atos. Tem uma função essencialmente indenizatória, ressarcitória ou reparadora.” (grifos nossos).

                      A eminente civilista é clara ao conceber a responsabilidade civil como modalidade de sanção civil. Assim também nos parece.
                     Sem dúvida, o instituto da responsabilidade civil foi concebido como sanção civil e tem, em si, o caráter inerente a toda sanção: desestimular condutas. A mensagem de nosso ordenamento é: não cause danos, ou terá como sanção correspondente a obrigação de indenizar o lesado.









[1] Orlando Gomes, Obrigações, São Paulo, Editora Forense, 1997, p. 260.


[2]Orlando Gomes, ob. cit., p. 153; Stocco, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 59; Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. SP, Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 16.


[3] Ob. cit., p. 7-8.


8. Conclusão.
                       Se o mecanismo da responsabilidade civil já constitui, em si, uma sanção, seria apropriado, na fixação do dano moral, atribuir (mais) um caráter de desestímulo ao causador do dano, através da majoração do valor da indenização?
Sob pena de se incorrer em bis in idem, a resposta há de ser negativa. Entendemos que, pela configuração de nosso sistema, pela natureza de sanção inerente à responsabilidade civil, deve ser considerado o caráter compensatório para a fixação do quantum devido.
Assim, a extensão do dano há de ser o parâmetro norteador ao julgador no caso concreto, nos termos do caput do artigo 944. A exceção do parágrafo único do artigo 944 trata de situação excepcionalíssima e não deve ser estendida sua exegese para casos outros; a consideração do grau de culpa só deve ocorrer no caso referido pelo dispositivo.



9. Referências bibliográficas.
Alvim, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo, Ed. Saraiva, 1980.
Bittar, Carlos Alberto. Danos patrimoniais por violações a direitos de personalidade; artigo publicado na Revista do Advogado da AASP, n° 32, de dezembro/92, p. 17.
___________________ Reparação civil por danos morais. São Paulo, Editora RT, 1994.
Carnelutti, Francesco. Teoria Geral do Direito. SP, Livraria Acadêmica Saraiva & Cia, 1942.
Cavalieri Filho, Sergio e Direito, Carlos Alberto Menezes. Comentários ao Novo Código Civil, vol. XIII, coord. por Sálvio Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004.
                          Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1. São Paulo, Editora Saraiva, 2003.
_________________ “A indenização por dano moral – a problemática do quantum”. Artigo publicado no site http://campus.fortunecity.com/clemson/jus/m03-005.htm
Gomes, Orlando. Obrigações, São Paulo, Editora Forense, 1997.
Montoro, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo, Editora RT, 1997.
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Silva, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999.
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Tavares da Silva, Regina Beatriz. “Critérios para a fixação da indenização do dano moral”, in Questões Controvertidas no Novo Código Civil. Coord: Delgado, Mario e Alves, Jones. São Paulo, Editora Método, 2003.
Theodoro Jr., Humberto. Dano Moral. São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2000.
Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal volume 2. São Paulo, Editora Saraiva, 1997.