O cabo da Polícia Militar Sérgio Costa Junior, que confessou ser um dos assassinos da juíza Patrícia Acioli, disse nesta terça-feira (4) em depoimento que se sentiu injustiçado pelo fato de a magistrada ter decretado sua prisão, já que no dia da morte de um menor em São Gonçalo, ele, conforme sua versão, estaria a cerca de 4 km do local do crime. Sérgio reafirmou ter sido o autor da maioria dos disparos que mataram a magistrada, mas alegou não se recordar ao certo quantos disparos efetuou.
O julgamento do PM, o primeiro de 11 réus que serão julgados — ele confessou o crime e colaborou com as investigações e, por isso, é beneficiado pela delação premiada —, começou às 8h50 desta terça no 3º Tribunal do Júri do Fórum de Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Patrícia foi assassinada com 21 tiros em agosto de 2011, quando chegava em casa, em Piratininga, Niterói.
Sérgio afirmou que teria dado cerca de 15 tiros no carro onde a juíza estava, mas não soube precisar o número de disparos devido ao insulfime nos vidros do veículo.
Ainda segundo ele, no dia 11 de agosto, quando já havia rumores de que Patrícia Acioli decretaria a prisão dos envolvidos na morte do menor, o grupo decidiu executar o plano de matar a magistrada. Quando Sérgio e o tenente Daniel Benites aguardavam pela saída da juíza do fórum, teriam visto nas redondezas o carro da advogada Ana Cláudia Abreu Loureço, defensora de alguns suspeitos do assasinato do menor. Foi então que Benites ligou para a advogada e recebeu a notícia de que a prisão deles havia sido pedida.
Questionado pelo promotor Leandro Navega, Sérgio admitiu que ele e Benites não executaram a juíza no caminho para não serem flagrados por câmeras. "E se fosse em São Gonçalo ia chamar a atenção para a gente, pois trabalhamos lá". O cabo também voltou a dizer que no dia em que chegaram ao BEP eles receberam a visita do tenente-coronel Cláudio, que teria dado força ao grupo. "Depois, ele (Cláudio) ficou só com o Benites. À tarde, quando o Benites veio conversar com a gente, falou que tinha dito ao tenente-coronel que executou a juíza com ajuda de millicianos", afirmou Sérgio. Para o assitente de acusação Técio Lins e Silva, o depoimento do cabo deixa evidente o envolvimento do tenente-coronel no homicídio.
Arrependimento
No final do depoimento, que durou cerca de uma hora e meia, o réu disse ter se arrependido muito de tudo o que havia feito, tanto para sua própria família, como para a família da juíza."No dia que cheguei em casa chorei muito. Tenho muito arrependimento e tenho que pagar pelo que fiz".
O depoimento de Sérgio contribuiu para que a Divisão de Homicídios (DH) chegasse aos demais envolvidos e elucidasse o caso. Beneficiado pela delação premiada, Sérgio é julgado separadamente dos outros dez réus. Eles vão responder pelos crimes de homicídio triplamente qualificado e formação de quadrilha.
A audiência é presidida pelo juiz Peterson Barroso Simão, titular da 3ª Vara Criminal de Niterói, que começou o julgamento com o sorteio de sete entre os 25 jurados presentes.
A primeira das seis testemunhas de acusação a ser ouvida foi o delegado Felipe Ettore. Ele era o titular da DH na época do crime e responsável pelas investigações sobre a morte da juíza.
Segundo Ettore, parte dos tiros que atingiram a juíza foi de arma com o mesmo calibre que havia sido distribuído ao 7° BPM (São Gonçalo). "A partir daí a investigação foi direcionada para lá. Verificamos que a juíza havia decretado, horas antes de sua morte, a prisão de oito integrantes do GAT desse mesmo batalhão”, explicou.
Sobre o crime de formação de quadrilha, o delegado disse que durante as investigações foi constatado que o grupo recebia dinheiro de criminosos da região. “Armas, dinheiro e drogas que ficavam com os policiais eram revendidas para uma quadrilha ou para quadrilha rival. Não raras vezes, eles sequestravam criminosos para cobra resgate”, afirmou Ettore, destacando que os policiais do GAT chegavam a arrecadar R$ 12 mil por semana com criminosos.
Ao ser questionado pelo defensor público Jorge Alexandre de Castro Mesquita sobre a reação de Sérgio ao fazer a delação premiada, o delegado disse que o réu demonstrou estar arrependido. “Sérgio narrou que chorou muito depois do crime, disse que se pudesse voltar atrás não teria cometido o crime. Ele demonstrou e pareceu realmente estar arrependido”, concluiu Etori após cerca de uma hora de depoimento.
A advogada Ana Cláudia Abreu Lourenço foi a segunda testemunha de acusação, e começou a ser ouvida às 10h15. Sobre a participação de Sérgio no crime, ela disse que sabia que ele teria sido autor dos disparos. “Segundo o Jeferson, ele teria matado a doutora Patrícia a pedido do comandante Cláudio”.
Ana Cláudia também conhecia a juíza Patrícia Acioli e chegou a mencionar, durante o depoimento, que em uma das ligações que a juíza fez para ela tinha dito que acreditava que o tenente-coronel Cláudio a mataria. “Ela me ligou e falou: Aninha, o Cláudio veio até o fórum de São Gonçalo para me intimidar, ou para me tirar da 4ª vara, ou para me matar”, disse Ana Cláudia, destacando que logo depois o tenente-coronel tirou os dois homens que faziam a escolta da juíza.
Após um intervalo de 5 minutos, o juiz retomou a sessão por volta das 10h50 e começou a ouvir a primeira testemunha de defesa, o coronel da Polícia Militar Amaury Simões. A terceira testemunha de acusação prevista foi dispensada.
'Tenho esperança', diz irmã
A mãe da juíza, Marli Lourival Acioli, e a irmã, Simone Lourival Acioli, chegaram às 7h50, confiantes na condenação. “Tenho esperança que todos eles sejam julgados e condenados. Se eles acharem que podem ficar impunes, é uma ameaça para a Justiça do país. Qualquer outro juiz que tenha que enfrenta-los terá medo. E que não fique só nos peixes pequenos, que vá até o mandante, que chegue até o tenente-coronel", disse Simone, em referência a Cláudio Oliveira, na época comandante do batalhão de São Gonçalo (7º) — cidade onde Patrícia atuava como juíza criminal —, suspeito de participação no crime.
Simone também questionou a nomeação do tenente-coronel Paulo Henrique Azevedo de Moraes para a Secretaria de Segurança de Niterói. Na época do assassinato, ele teria sido responsável por decidir sobre os pedidos de escolta da juíza. “A família ficou muito indignada com a nomeação. Ele negou duas vezes o pedido de escolta para a minha irmã.”
O promotor Leandro Navega disse esperar que o julgamento seja encerrado na noite desta terça. "Esperamos encerrar ainda hoje e acreditamos que a delação premiada que eventualmente for concedida para o Sérgio seja uma delação pequena em função do grande número de disparos que ele efetuou contra a juíza", disse, em relação aos 18 tiros que teriam sido executados pelo réu.
Para a acusação, segundo Navega, além do homicídio já confessado por Sérgio, é importante que ele seja condenado por formação de quadrilha armada. "Essa condenação já tendencia, já indica a participação dos demais réus na execução da juíza e nos crimes que os policiais militares cometiam na cidade de São Gonçalo."
Seis testemunhas
Responsável pela acusação, o promotor Leandro Silva Navega arrolou três testemunhas: Felipe Ettore; José Carlos Guimarães, inspetor da Polícia Civil; e Ana Cláudia Abreu Lourenço, advogada e amiga da juíza. O promotor terá apoio de Técio Lins e Silva, assistente de acusação.
Responsável pela defesa de Sérgio, o defensor público Jorge Alexandre de Castro Mesquita também apresentará três testemunhas: Amaury Simões, Paulo Fernando de Lima Pacheco e Carlos Magno da Rosa Jacinto. Os jurados que participarão do Conselho de Sentença sairão de uma relação de 25 nomes escolhidos previamente.
Segurança reforçada
Além da equipe de segurança do Fórum, o Tribunal de Justiça do Rio solicitou ao 12º BPM (Niterói) reforço de policiamento no 12º andar, onde é realizada a sessão, e na portaria do prédio. O TJ-RJ fez um pedido também à 76ª DP (Centro de Niterói) para que policiais ficassem de plantão, caso seja necessário registrar alguma ocorrência.
Além disso, qualquer pessoa que quiser entrar no prédio deverá passar pelo portal de detector de metais.
Outros acusados
Os réus Junior Cezar de Medeiros, Jefferson de Araújo Miranda e Jovanis Falcão Junior serão julgados no dia 29 de janeiro de 2013, também às 8h.
O juiz Peterson Barroso Simão também decidiu desmembrar o processo em relação aos outros sete acusados, incluindo o tenente-coronel Claudio Luiz de Oliveira, então comandante do 7º BPM (São Gonçalo), acusado pelo Ministério Público de ser o mandante do crime.
Ele e o tenente Daniel Benitez estão no presídio federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Os demais estão presos na cadeia pública Pedrolino Werling de Oliveira, conhecida como Bangu 8, no Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio, os sete acusados aguardam o julgamento de recursos contra a sentença de pronúncia. Os recursos serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
Juíza condenou PMs
Na época do crime, Patrícia Lourival Acioli, de 47 anos, era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. A magistrada atuou em diversos processos em que os réus eram policiais militares envolvidos em supostos autos de resistência.
Nascida no Rio de Janeiro, Patrícia se formou em Direito em 1987 na Universidade estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e, em 1992, ingressou na Magistratura do Rio.
Fonte: G1