A denúncia anônima pode ser usada para desencadear
procedimentos preliminares de investigação. Entretanto, não pode servir, por si
só, como fundamento para autorização de interceptação telefônica.
Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) concedeu habeas corpus, de ofício, ao diretor de obras do grupo
Pão de Açúcar e ao advogado responsável pela documentação técnica da diretoria
de obras da empresa, para decretar a nulidade das provas obtidas por
interceptações telefônicas em ação penal a que respondem, sem prejuízo das
provas obtidas por meios legais.
Os dois réus são acusados de corrupção ativa, furto e
formação de quadrilha. De acordo com a denúncia, entre janeiro de 2008 e
setembro de 2009, na cidade de Sorocaba (SP), eles promoveram desfalques no
caixa do grupo Pão de Açúcar, com ajuda de outras pessoas, usando como pretexto
o pagamento de contratos falsos.
A ação penal é relacionada ao escândalo que ficou conhecido
em Sorocaba como “caso Pandora”: um suposto esquema de distribuição de propinas
a autoridades e servidores municipais, para que garantissem a aprovação de
documentos necessários à instalação de unidades do Hipermercado Extra,
pertencente ao grupo Pão de Açúcar.
Celular
Consta do processo que algumas pessoas não identificadas
informaram à polícia que uma pessoa estaria envolvida em crime de lavagem de
dinheiro e ocultação de bens e valores, em benefício de organizações
criminosas. Sem revelar o nome do suposto envolvido nos crimes, deram o número
de um celular aos policiais.
Com base na denúncia anônima, delegados de polícia e
promotores de Justiça pediram autorização ao juiz para interceptar as ligações
daquele celular, justificando que havia necessidade urgente de meios para
auxiliar as investigações e melhor apurar os fatos.
15 dias
Em junho de 2008, o juízo de primeiro grau autorizou a
interceptação pelo prazo de 15 dias, além do acesso ao histórico das chamadas.
Depois disso, autorizou o monitoramento de outras linhas utilizadas pelo
investigado, bem como a prorrogação da interceptação concedida anteriormente.
A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJSP), alegando que toda a investigação policial seria nula. Como o
pedido foi denegado, impetrou habeas corpus substitutivo de recurso ordinário
no STJ.
Sustentou a ilegalidade das interceptações, justificando que
partiram de denúncia anônima e foram prorrogadas sucessivamente por quase um
ano e meio. Além disso, alegou falta de fundamentação nas decisões que as
autorizaram.
Segundo a defesa, “entre a apresentação do relatório
elaborado pelos investigadores de polícia noticiando a denúncia anônima e o
deferimento da interceptação telefônica, não foi sugerida, requisitada,
deferida ou executada uma só providência”.
Argumentou que, de acordo com entendimento adotado pelo STJ,
a interceptação só pode ser prorrogada uma única vez, pelo prazo de 15 dias,
desde que comprovado que esse meio de prova é indispensável.
Ordem de ofício
O ministro Og Fernandes, relator do habeas corpus no STJ,
não conheceu do pedido, pelo fato de o habeas corpus ter sido impetrado como
substitutivo de recurso ordinário, que é o instrumento adequado para o reexame
das decisões proferidas pelos tribunais de segunda instância, conforme
estabelece a Constituição.
Entretanto, explicou que, “uma vez constatada a existência
de ilegalidade flagrante, nada impede que esta Corte defira ordem de ofício,
como forma de corrigir o constrangimento ilegal”.
Segundo o ministro, o STJ tem admitido a utilização de
notícia anônima para desencadear procedimentos preliminares de investigação.
Contudo, tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o STJ entendem que, ao
receber uma denúncia anônima, a polícia deve averiguar se os fatos narrados são
verdadeiros, antes de iniciar as investigações.
Nulidade absoluta
Ao analisar o caso, Og Fernandes afirmou que as
interceptações “encontram-se maculadas por nulidade absoluta desde a sua
origem”, já que não houve nenhuma providência anterior “menos invasiva”.
Além disso, mencionou que a Lei 9.296/96 restringe o
cabimento da medida de interceptação telefônica às hipóteses em que haja
indícios razoáveis de autoria de crime punido com reclusão, e desde que a prova
não possa ser realizada por outros meios disponíveis.
“Como se verifica dos autos, não há qualquer dado empírico
fornecido pela autoridade policial a permitir, à luz de um raciocínio lógico,
concluir pela impossibilidade de providência alternativa, ainda que em sede de
investigação preliminar”, afirmou o relator.
Fonte: STJ